quarta-feira, 21 de junho de 2017

REFÚGIO E MORADIA



O incêndio do prédio Grenfell Tower, em Londres, na madrugada do dia 15, é a face mais real e dura do que lemos nos livros, nos artigos de jornais, vemos nas telas do cinema.

As cidades crescem e vão empurrando para as beiradas, para as periferias - as bordas de um precipício se não físico, mas social - aqueles que ela não quer ver por perto. A palavra gentrificação aparece cada vez mais quando o assunto é cidades, urbanização, moradia.

O surgimento daquela que é considerada a primeira favela carioca, no morro da Providência, no final do século XIX, é um exemplo significativo desse processo segregador. Seus primeiros moradores foram os soldados que combateram na Guerra de Canudos e, ao voltarem ao Rio de Janeiro, não receberam o apoio prometido pelo governo.  A reforma urbana de Pereira Passos, no início do século XX, levou ao aumento da população da Providência e ao surgimento de novas favelas.

Entregues à própria sorte, essas populações se viram submetidas a grupos particulares. O professor Jailson Souza e Silva, que conhece profundamente esta realidade, identifica esses grupos como “pessoas com autoridade na comunidade, lideranças religiosas ou malandros”, substituídos depois pelas “polícias mineiras”, grupos de extermínio, traficantes, milícias.

Morro da Providência - foto de Mauricio Hora         


Há nas favelas, nos guetos, nos bairros populares, nos grenfell towers do mundo, como em todo lugar, potenciais fantásticos, mentes brilhantes, que só precisam de uma oportunidade para florescer plenamente. Ou mesmo gente comum, que quer apenas viver com dignidade e segurança, usufruir das dádivas e do conforto do mundo. Trabalhar, estudar, namorar, realizar sonhos.

No prédio de 24 andares nos arredores de Londres moravam pessoas de baixa renda, imigrantes, refugiados. Como tudo está no cinema, há filmes que retratam a penosa trajetória de pessoas obrigadas a deixar sua pátria por conta de guerras, perseguições e se asilam em países europeus. Entre eles, Coisas Belas e Sujas (2002, do diretor inglês Stephen Frears) e Dheepan, o refúgio (2015, do francês Jacques Audiard).

Neste último, fugindo dos conflitos no Sri Lanka, Dheepan, Yalini e a menina Illayaal assumem identidades falsas e entram na França como se fossem da mesma família. Sem falar a língua local, ele consegue trabalho como zelador e ela como empregada doméstica, no condomínio de classe baixa onde vivem. Yllayaal começa a estudar francês e funciona como tradutora. Nesse condomínio os três terão de conviver com todo tipo de precariedade e testemunhar e se defender da violência de grupos de traficantes que dominam o local. Já vimos esse filme, não? 


Paris, Londres, Rio de Janeiro... refugiados vindos de outras terras, ou de seu próprio país, sua própria cidade. Removidos, deslocados, esquecidos.

O menino sírio Aylan, de apenas três anos, cujo corpo foi lançado a uma praia da Turquia em 2015, converteu-se no símbolo da tragédia das populações em fuga, no Mar Mediterrâneo. E da insanidade desses tempos, em que a humanidade já deveria ter aprendido com as lições trágicas do passado.

Em Londres, entre tantos mortos no incêndio do Grenfell Tower, o primeiro a ser identificado é outro sírio, Mohammad al-Haj Ali, 23 anos, também um fugitivo da guerra civil. Como o pequeno Aylan, Mohammad, que era estudante de engenharia, converte-se em outro símbolo macabro dessa mesma tragédia, que não termina quando se faz o resgate ou se concede asilo.


The Grenfell Tower Fire Could Have Been Avoided (Incêndio na Grenfell Tower poderia ter sido evitado)

Depoimento do Rapper Lowkey que presenciou o incêndio

Incêndio fatal em Londres revela negligência com os pobres

por Jake Johnson, em CommonDreams

Inferno de Grenfell: as primeiras imagens do interior do prédio


Foto Morro da Providência: Mauricio Hora

Foto protestos Londres:

 

segunda-feira, 5 de junho de 2017

RECEITA INDIGESTA



“Receita e PF reconhecem que não fiscalizam todas as cargas”. Este é o título de uma matéria, da repórter Vera Araújo, publicada na última sexta-feira, dia 02/06, no jornal O Globo. Tratava da apreensão de contêineres recheados de fuzis no aeroporto Galeão-Tom Jobim.

Enquanto o jornal era impresso, ia eu aos Correios para retirar uma encomenda pela qual esperava há quase três meses. Uma T-shirt da Teezily, uma inocente camisa estampando uma mensagem de caráter ambiental, criada para ajudar a luta contra a construção do DAPL, oleoduto que corta a região dos índios Sioux, Standing Rock, Illinois, EUA, e que já provocou vazamentos. 


O pacote foi postado na França e, segundo informação da empresa expedidora, Colissimo, chegou ao Brasil no dia 02/05.

Para poder retirar a camisa tive de pagar R$ 73,29 (imposto de importação + uma estranha taxa de despacho postal), cerca de 21 euros.  Tudo bem que produtos importados sejam tributados, mas sei de pessoas que compram regularmente roupas na China e não pagam imposto. Será que depende do país de origem?

O tributo foi calculado sobre 30 euros e não os 15 euros declarados no pacote (valor do produto + frete). Se optasse por reclamar, não poderia retirar a encomenda e teria de esperar até dois meses por uma resposta. Se negativa, teria de pagar ainda a taxa de armazenagem.


Bem, o ponto principal aqui é: contêineres cheios de armas passam livremente pela alfândega, pagam o imposto devido (ou não?), não são conferidos, escaneados, inspecionados. Mas uma camisa de malha, comum, sem grife, é retida por semanas e tributada em 60% do valor estimado pela fiscalização.

A Receita diz que não tem como checar todas as cargas. A Polícia Federal diz que realiza “um trabalho de observação e inteligência”. No caso da carga citada na matéria de O Globo (e que as autoridades acreditam ser uma das muitas que já entraram no país), o contêiner só foi apreendido porque a Polícia Civil entrou na jogada.

Não investiguei e, portanto, não vou questionar as condições de trabalho da Receita, se tem pessoal e equipamento ou não. Mas é impossível não fazer o paralelo entre as duas situações e se perguntar: será que as prioridades da dona RF na alfândega não estão precisando ser revistas?


Obs: Não recomendo comprar na Teezily. Além da demora e falta de informações e/ou informações incorretas, o produto, que supostamente seria fabricado na França, mas é feito em Bangladesh, não tem a qualidade esperada. Descobri depois da compra que há inúmeras reclamações contra a empresa.